Ir para opininão de especialistas

Digitalização

Conectividade Gigabit para a Europa: colmatar o fosso digital até 2030

O que é o Regulamento Infraestrutura Gigabit
Miryam Aranzadi

Miryam Aranzadi

Consultora em projectos europeus

Uma das caraterísticas que definem a era atual é a globalização e a conetividade que lhe é inerente. Todas as sociedades, desde as mais avançadas tecnologicamente até às que ainda estão em desenvolvimento, beneficiam do facto de estarem ligadas. O que antes era uma capacidade de conetividade tornou-se agora um direito inquestionável, uma vez que muitas interações sociais, políticas e económicas, serviços e oportunidades estão cada vez mais on-line. Garantir o acesso universal à Internet de alta velocidade tornou-se, por conseguinte, uma prioridade fundamental.

Neste contexto, a Comissão Europeia, através da Lei das Infraestruturas Gigabit (Regulamento (UE) 2024/1309) estabeleceu objetivos ambiciosos para proporcionar conetividade universal em toda a União Europeia até 2030. Esta iniciativa visa criar uma sociedade digital totalmente conectada, promovendo a inovação, o crescimento económico e a inclusão social. No entanto, a concretização desta visão apresenta muitos desafios, como os elevados custos de implantação e a fragmentação regulamentar entre os Estados-Membros. Para superar estes obstáculos e colmatar o fosso digital, são essenciais reformas significativas, uma maior colaboração entre os sectores público e privado e avanços tecnológicos contínuos.

Obstáculos atuais à implantação de infraestruturas Gigabit

Apesar dos progressos registados nas infraestruturas digitais, a Europa continua dividida em termos de conetividade. Existe um fosso persistente entre as regiões urbanas e rurais, continuando estas últimas a ser mal servidas, como salientado no relatório sobre o estado da Década Digital. As zonas rurais, em particular, enfrentam desafios significativos no desenvolvimento de infraestruturas devido à baixa densidade populacional, o que torna o retorno do investimento menos atrativo para os operadores de telecomunicações. Consequentemente, a implantação nestas regiões continua a ser lenta e dispendiosa, agravando ainda mais o fosso digital.

O elevado custo da implantação de redes gigabit, especialmente em zonas remotas, é um dos obstáculos mais significativos. As redes de fibra ótica e as infraestruturas 5G exigem investimentos significativos em obras civis, incluindo a abertura de valas para cabos subterrâneos e a construção de novas torres. A Comissão Europeia estimou que o custo de uma cobertura gigabit completa poderia exceder 200 mil milhões de euros, o que torna difícil para as entidades privadas investirem sem um apoio significativo do sector público.

Outra questão crítica é a complexidade dos processos administrativos. Os operadores enfrentam grandes atrasos na obtenção de licenças para instalar infraestruturas de rede, especialmente em regiões com regulamentação local restritiva. Estes obstáculos administrativos variam consideravelmente de um Estado-Membro para outro, dificultando ainda mais a implantação de redes transfronteiras sem descontinuidades. A Lei das Infraestruturas Gigabit aborda este problema apelando à simplificação destes procedimentos e instando os Estados-Membros a racionalizarem os seus procedimentos de licenciamento. A lei visa reduzir os atrasos e tornar as redes gigabit mais económicas e acessíveis.

A partilha de infraestruturas é outro mecanismo subutilizado que pode reduzir os custos de implantação. Muitos operadores de telecomunicações têm dificuldade em encontrar um quadro adequado para partilhar as suas condutas, postes e outros activos físicos com os seus concorrentes. Esta situação aumenta o custo da implantação da rede, dado que os operadores têm de construir infraestruturas redundantes. O novo regulamento visa reforçar as obrigações de reutilização das infraestruturas, facilitando o acesso dos pequenos operadores às redes existentes e a prestação de serviços em zonas mal servidas.

Necessidades futuras de conetividade Gigabit

Olhando para o futuro, as ambições digitais da Europa estão definidas na estratégia da Década Digital, que estabelece objetivos claros para 2030. O objetivo mais premente da estratégia é garantir que todos os cidadãos da UE, independentemente da sua localização, tenham acesso a uma Internet segura e sustentável com débitos da ordem dos gigabits. Este objetivo não é apenas essencial para a inclusão digital, mas também fundamental para apoiar os objetivos económicos mais amplos da UE, como a promoção da inovação no domínio da inteligência artificial (IA), da Internet das coisas (IoT) e das cidades inteligentes.

Para alcançar a conetividade universal gigabit, serão necessários avanços significativos nas tecnologias de rede, bem como um maior investimento em infraestruturas. O papel das parcerias público-privadas (PPP) será crucial para responder a estas necessidades. Ao mobilizarem capital privado e financiamento público, as PPP podem impulsionar o desenvolvimento de redes de alta velocidade, nomeadamente em zonas onde os retornos financeiros são demasiado baixos para motivar o investimento do sector privado. Por exemplo, os projetos do Mecanismo Interligar a Europa (MIE) e do InvestEU já facilitam o desenvolvimento de infraestruturas críticas, mas são necessários mais esforços para garantir que nenhuma região seja deixada para trás.

A sustentabilidade deve também estar no centro do futuro desenvolvimento das infraestruturas. O Pacto Ecológico Europeu estabeleceu objetivos ambiciosos para reduzir a pegada ambiental de todos os sectores, incluindo o das telecomunicações. As redes Gigabit, embora essenciais para o crescimento económico, devem ser implantadas tendo em conta a eficiência energética e o mínimo impacto ambiental. Tecnologias como a computação periférica, que reduz a necessidade de transmissão de dados a longa distância, e a utilização de energias renováveis na infraestrutura de rede, desempenharão um papel fundamental para garantir que as redes gigabit contribuam para os objetivos de sustentabilidade ambiental e de neutralidade carbónica da UE.

Além disso, a melhoria da racionalização dos procedimentos administrativos continuará a ser uma prioridade. Embora a Lei das Infraestruturas Gigabit vise simplificar o processo de licenciamento, são necessários mais esforços a nível nacional e local para coordenar os quadros regulamentares nos Estados-Membros. Ao eliminar os estrangulamentos processuais e ao promover uma regulamentação coerente, a UE pode garantir uma implantação mais rápida e mais económica das redes gigabit.

Por último, o desenvolvimento de uma mão de obra qualificada é essencial. A estratégia da Década Digital tem como objetivo dispor de 20 milhões de especialistas em TIC até 2030 para apoiar a transformação digital da Europa. No entanto, a Europa está atualmente longe de atingir este objetivo. A escassez de profissionais qualificados pode atrasar a implantação e a manutenção de redes gigabit, dificultando a realização dos objetivos de conetividade da UE. O investimento em educação, formação profissional e programas de requalificação será vital para reduzir este défice de competências.

Conclusões: Uma Europa conectada até 2030

A Lei das Infra-estruturas Gigabit representa um passo decisivo no roteiro da UE para uma conetividade universal, excelente, segura e fiável à Internet de alta velocidade. Ao enfrentar os desafios dos custos elevados, dos atrasos regulamentares e da reutilização das infraestruturas, a lei lança as bases para uma Europa mais conectada e inclusiva. No entanto, o caminho para a conetividade gigabit para todos até 2030 é uma jornada difícil. As parcerias público-privadas, a inovação tecnológica, a harmonização regulamentar e uma mão de obra qualificada serão essenciais para colmatar o fosso digital. Se a UE for capaz de ultrapassar estes obstáculos, não só liderará o mundo em matéria de infraestruturas digitais, como também criará uma economia digital mais resiliente, inovadora e sustentável.

Pessoa especialista

Miryam Aranzadi
Miryam Aranzadi

Sede de Pamplona

Consultora em projectos europeus