Revolução digital
Bruxelas lança a sua Estratégia quântica para ganhar terreno industrial
A Comissão Europeia quer liderar o mercado quântico global com um roteiro até 2030

A Comissão Europeia adotou esta quarta-feira a sua nova Estratégia quântica, um plano que visa transformar a liderança científica do Velho Continente numa vantagem competitiva e industrial. Com uma visão projetada até 2030, o documento estabelece um roteiro para consolidar o ecossistema quântico europeu, incentivar infraestruturas tecnológicas e atrair investimentos num contexto internacional marcado pela aceleração dos Estados Unidos e da China.
Nas intenções de Bruxelas, a estratégia aspira a “posicionar a Europa como líder global em tecnologias quânticas antes do fim da década”, através da articulação de ações coordenadas em cinco grandes áreas: investigação, infraestruturas, indústria, segurança e talento. A Comissão Europeia sublinha que, embora a UE disponha de uma base científica sólida e de um ecossistema emergente de empresas, as suas capacidades inovadoras não estão a traduzir-se em oportunidades reais de mercado.
O documento indica que a Europa alberga o maior número de publicações científicas em tecnologias quânticas e aproximadamente um terço de todas as empresas do sector a nível mundial, mas mal alcança o terceiro lugar em patentes registadas em computação, sensores ou comunicações quânticas. Esta disparidade entre a liderança científica e o posicionamento industrial é um dos motores da nova estratégia.
Daniel Errea, consultor em Projetos Europeus da Zabala Innovation, interpreta o texto como uma aposta de longo prazo: “Tudo aponta para que será um documento de referência para os projetos digitais nos próximos anos, com impacto direto sobre vários programas europeus de financiamento e sobre a sua estrutura de governação”, garante.
Neste sentido, o plano assenta numa despesa pública acumulada que, segundo dados da Comissão Europeia, ultrapassa os 11 000 milhões de euros nos últimos cinco anos, combinando fundos comunitários e nacionais. O próprio diagnóstico de Bruxelas, contudo, aponta para uma fragmentação de estratégias nos Estados‑membros, duplicação de esforços e fraca coordenação entre agências. Este desajuste estaria, segundo os comissários, a retardar a comercialização de soluções e a dificultar a criação de massa crítica em escala continental.
Poder dual
A estratégia prevê também integrar tecnologias quânticas nos domínios da defesa e da segurança. Num momento de crescente atenção geopolítica às capacidades tecnológicas estratégicas, o plano propõe ligar estes desenvolvimentos a outras iniciativas, como a Estratégia de Segurança Económica, o Livro Branco da Defesa ou a Estratégia Internacional para o Digital.
Segundo Bruxelas, as aplicações quânticas têm um claro carácter dual, ou seja, podem ser empregues tanto em contextos civis como militares. Os usos previstos vão desde as comunicações cifradas até sensores avançados para navegação ou monitorização terrestre, passando por capacidades de cálculo de elevado desempenho em áreas como a logística ou as finanças.
Em paralelo, o documento propõe a criação de polos europeus para acelerar a produção, o desenho e a aplicação de tecnologias quânticas, com infraestruturas coordenadas e escaláveis. O empenho na industrialização relaciona-se com o apoio a startups e scale‑ups, bem como com a consolidação de cadeias de abastecimento seguras e sustentáveis.
“A estratégia articula ações concretas até 2030 em torno da investigação, das infraestruturas, da industrialização, da defesa, das capacidades e da cooperação internacional”, destaca Errea. Em palavras deste especialista, o texto poderá tornar‑se numa referência de primeira ordem na conceção de concursos e na priorização de investimentos no âmbito de programas europeus como o Horizon Europe ou o Innovation Fund.
Outro dos pilares da estratégia é o desenvolvimento de talento especializado. A Comissão Europeia propõe reforçar a educação e a formação em tecnologias quânticas por meio de programas coordenados entre países e medidas que promovam a mobilidade do conhecimento. Em linha com o seu Competitiveness Compass, Bruxelas assinala a necessidade de formar uma força‑de‑trabalho diversificada e altamente qualificada para sustentar a transição industrial e garantir a autonomia tecnológica da UE.
Cooperação imprescindível
Para além do componente interno, a estratégia abre igualmente a porta ao reforço da cooperação internacional. Neste domínio, o contexto geopolítico desempenha um papel fulcral: os Estados‑Unidos lideram atualmente a industrialização quântica graças a elevados investimentos privados, enquanto a China avança com um modelo fortemente impulsionado por fundos públicos. A Europa, apesar de bem posicionada na fase científica, corre o risco de ser preterida na aplicação comercial se não conseguir consolidar uma abordagem comum.
Na opinião de Errea, um dos aspetos mais relevantes do documento é a sua vocação integradora: “Para além do impulso à investigação, propõe mecanismos para gerar massa crítica, ligar os intervenientes e evitar a dispersão de recursos, que até agora tem sido um dos principais entraves na Europa”.
O texto adotado esta quarta-feira insere‑se num momento de inflexão para as tecnologias quânticas, que começam a sair do laboratório e a encontrar aplicações práticas em sectores-chave. Entre estas, a Comissão Europeia menciona avanços que vão desde a imagiologia médica por ressonância magnética até sensores de geofísica, o desenvolvimento de novos materiais, comunicações seguras ou simulação de processos complexos.
A Estratégia quântica soma‑se assim a outros documentos-quadro recentes lançados por Bruxelas para orientar a política tecnológica do bloco. Em particular, a sua adoção conecta-se com as prioridades expressas em relatórios como aquele do ex‑primeiro-ministro italiano Mario Draghi, que qualifica a quântica como “a próxima grande revolução na informática”.