Opinião
Comissão Europeia
SET-IndEU e as novas diretrizes políticas da Comissão Europeia
Maria Laura Trifiletti
Consultor sénior em Projetos Europeus
Relatório Draghi
A agenda e o organograma da Comissão Europeia elaborados por Ursula von der Leyen estão alinhados com as propostas de Mario Draghi
Diretor de Relações Institucionais em Bruxelas
Sob a presidência de Ursula von der Leyen, a Comissão Europeia apresentou uma nova agenda focada no crescimento económico e na produtividade, alinhada com as recomendações do relatório elaborado por Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, para Bruxelas. As cartas de missão propostas pela Presidente após a sua reeleição refletem estas prioridades, entre as quais se destaca a conexão estreita que deve ser estabelecida entre competitividade, políticas climáticas e crescimento económico.
O novo organograma da Comissão reflete o compromisso com a competitividade na Europa e a prosperidade esboçadas por Draghi. No seu relatório, o economista italiano adverte que uma regulamentação excessiva pode travar os esforços de descarbonização. Assim, a nova composição da Comissão Europeia procura equilibrar cuidadosamente a regulação com o desenvolvimento sustentável, garantindo que ambos os objetivos possam avançar lado a lado.
O relatório de Draghi também influenciou outras áreas da agenda de Bruxelas, como o impulso à defesa para fortalecer a competitividade industrial da Europa e o apoio à investigação e inovação em inteligência artificial e telecomunicações. Estas iniciativas refletem uma estratégia clara para o futuro, que deverá ser concretizada através de ações específicas.
A UE enfrenta um desafio crucial para manter a sua competitividade num ambiente global dominado pelos Estados Unidos e pela China. A inter-relação entre a política industrial e a inovação é fundamental para enfrentar este desafio. Se a primeira estabelece o quadro para promover a segunda através de investimentos em I&D, incentivos e parcerias público-privadas, os avanços em inovação exigem frequentemente ajustes nestas políticas para captar novas oportunidades tecnológicas e adaptar-se a um ambiente em constante mudança.
O também ex-primeiro-ministro italiano insiste na necessidade urgente de uma revisão profunda das políticas industriais europeias. Draghi adverte que, sem uma transformação radical e um investimento significativo, a UE pode enfrentar uma “agonia lenta” e perder a sua relevância no cenário internacional.
Por esta razão, propõe um ambicioso plano de investimento que ascende a 800 mil milhões de euros anuais, com emissão de dívida conjunta, revisão das regras de concorrência e a sua flexibilização para permitir que as empresas europeias cresçam e sejam mais inovadoras. O italiano também destaca a desigualdade que existe em termos de produtividade e tecnologia, sublinhando que a lacuna na inovação é um fator chave no estancamento da competitividade europeia.
Estas propostas colocam, sem dúvida, um desafio de governança para a UE. Por um lado, estes objetivos terão de superar a resistência de alguns países, como a Alemanha, o maior beneficiário das ajudas estatais da UE (um em cada dois euros dedicados a este fim). Por outro lado, estão os países do sul da Europa, que provavelmente apoiarão uma maior flexibilidade nas ajudas estatais e no financiamento público. O papel do investimento privado – tradicionalmente mais bem visto pelos países nórdicos – é outro dos pontos de discussão.
Draghi aponta no seu relatório como a Europa enfrenta vários desafios que limitam a sua capacidade de inovação em comparação com os EUA e a China.
Estrutura industrial estática. Enquanto nos EUA o investimento se deslocou para setores inovadores, como o digital, na Europa continua concentrado em indústrias maduras, como a automóvel, o que limita o crescimento nos setores emergentes. Este contexto gera um problema de produtividade na UE, que a médio prazo pode ser grave. A IA vai transformar radicalmente setores-chave como o farmacêutico, o design e a fabricação de veículos, as operações logísticas, a manutenção preditiva, a previsão da procurae as redes elétricas inteligentes, entre outros.
Ciclo de inovação fraco. Existem obstáculos no processo de levar inovações ao mercado. A falta de apoio público direcionado para inovações disruptivas e a fragmentação do financiamento limitam a capacidade da UE para expandir tecnologias avançadas.
Falta de infraestruturas e coordenação. A UE fica atrás na disponibilização de infraestruturas de última geração, como redes de fibra e 5G. A fragmentação do mercado e a falta de coordenação dificultam o desenvolvimento de grandes projetos de infraestrutura e a comercialização de novas tecnologias.
Problemas regulatórios. As barreiras regulatórias na Europa são complexas e variam entre os países, o que desencoraja as empresas tecnológicas de operar em grande escala na UE. As leis e regulamentos fragmentados também geram elevados custos de conformidade.
Desvantagens em financiamento e crescimento. O financiamento de capital de risco na UE é baixo em comparação com os EUA e a China. Muitas start-up europeias mudam-se para os EUA em busca de melhores oportunidades.
Setor farmacêutico. A UE dedica menos investimentos em I&D e apresenta um processo regulatório mais lento em comparação com os EUA.
A inovação é essencial para desenvolver tecnologias limpas e sustentáveis que permitam à UE alcançar os seus objetivos de descarbonização. Isto inclui a produção de baterias avançadas, energias renováveis e outras tecnologias verdes que reduzem a dependência de combustíveis fósseis. A UE deve desvincular os preços dos combustíveis fósseis dos das energias renováveis e outras fontes, na composição do preço da eletricidade. As políticas que promovem a investigação e o desenvolvimento e a adoção de novas tecnologias podem aumentar a produtividade e a competitividade das empresas europeias no mercado global.
Para aproveitar o ímpeto da descarbonização, Draghi propõe focar o apoio na produção de tecnologias limpas onde a UE tenha uma vantagem estratégica, como as baterias. É neste tipo de tecnologia com grande potencial de crescimento que os fundos do próximo Quadro Financeiro Plurianual devem ser concentrados.
Para alcançar 3% do PIB dos Estados-Membros em investimento para a inovação, são necessários incentivos financeiros, coordenação e colaboração, assim como fortalecer o próximo programa-quadro (FP10). Tal como propõem Draghi e muitas organizações empresariais, grandes corporações, administrações públicas e universidades, é necessário dobrar o orçamento do atual programa.
No que diz respeito ao Horizon Europe – o maior programa de financiamento da inovação – Draghi pede, sem hesitação, reduzir as prioridades comuns, aumentar o orçamento para inovações disruptivas e reformar o Conselho Europeu de Inovação (EIC) com o objetivo de apoiar projetos de alto risco. A sua recomendação é duplicar o orçamento até atingir 200 mil milhões de euros para o próximo período.
Outras das suas sugestões para a política de inovação concentram-se na melhoria da coordenação da I&D pública, no apoio à comercialização dos resultados através da simplificação da gestão dos direitos de propriedade intelectual, na adoção de uma patente unitária e na regulação para pequenas empresas com um novo estatuto legal para as start-up inovadoras.
A UE tem uma oportunidade única de reduzir o custo do desenvolvimento da IA aumentando a capacidade de computação e disponibilizando a sua rede de supercomputadores EuroHPC Joint Undertaking.
No novo organograma da Comissão Europeia, recentemente revelado por Von der Leyen, a terceira vice-presidente do governo de Espanha, Teresa Ribera, reconhecida pela sua impecável trajetória em políticas climáticas, assumirá a pasta da Concorrência, um dos pilares fundamentais do relatório Draghi. O trabalho que a aguarda será de grande envergadura, já que as políticas climáticas, industriais e de descarbonização, bem como as de concorrência, terão de convergir para alcançar os ambiciosos objetivos propostos por Draghi.
Por isso, Ribera terá de liderar a modernização da política de concorrência da UE, um desafio complexo e imprescindível. Enquadradas no Clean Industry Deal, estas políticas incluirão novas ajudas estatais que garantam o desenvolvimento de tecnologias verdes.
A crescente importância dos Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu (IPCEI) continuará a reforçar o seu papel estratégico, facilitando a cooperação entre os Estados-Membros. No entanto, também surgirão tensões relacionadas com o equilíbrio de poderes. Estas disputas já foram observadas em algumas infraestruturas estratégicas desenvolvidas pela UE, onde diferentes interesses nacionais entraram em conflito.
Ribera, que se tornará na socialista europeia mais influente no novo organograma proposto por Von der Leyen, trabalhará em estreita colaboração com Stéphane Séjourné, liberal francês e vice-presidente executivo para Prosperidade e Estratégia Industrial, e com o popular holandês Wopke Hoekstra, comissário do Clima.
Esta cooperação será fundamental para desenhar uma estratégia que combine competitividade, produtividade e descarbonização. Os três irão gerir o programa Innovation Fund (40 mil milhões de euros para o período 2020-2030); o Fundo Social para o Clima (86 mil milhões de euros para o período 2026-2032); o Fundo de Transição Justa, com um financiamento de 17,5 mil milhões de euros para o período 2021-2027; o mecanismo CEF (Connecting Europe Facility) para a construção de redes transeuropeias sustentáveis nos domínios dos transportes, energia e serviços digitais, com um orçamento de mais de 5 mil milhões de euros para o período 2021-2027, segundo uma análise do Real Instituto Elcano; e o InvestEU, do qual o Banco Europeu de Investimento é o principal parceiro, com uma garantia do orçamento europeu de 26,2 mil milhões de euros para 2021-2027 para estimular os investimentos.
A inovação, juntamente com uma alocação adequada de recursos, será o eixo central para alcançar estes objetivos, assegurando que a política europeia avance rumo a uma economia mais verde e competitiva.
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